quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Artigos Lúcio Packter


Artigos de Lúcio Packter

título - Drogas

artigo publicado na edição 5 da revista Filosofia, da Editora Escala.

 As melhores propagandas a favor das drogas talvez venham das pessoas que as atacam.Reprimir, tornar ilegal, desacreditar, exibir efeitos pejorativos, oferecer como contrapartida nossos preceitos sociais, isso é como combater o diabo mostrando o que ele tem de melhor.
 E, mais ou menos assim, surgem textos inspirados como On the Road, de Jack Kerouac.
Uma das evidências que estatísticas do Ministério da Saúde reúnem aponta que muitas pessoas estão se entupindo com cocaína, chocolate, anestésicos, soníferos, perfumes, tinturas, bebidas e provavelmente o fazem, entre outras coisas, porque as drogas podem ser socialmente necessárias, como socialmente necessária pode ser a mania persecutória contra elas; esta razoável contradição torna as drogas muitas vezes o fascínio e o medicamento, sua prescrição indicada. Lembro que quando li El Horla, de Guy de Maupassant, pensei no quanto as drogas amenizaram suas terríveis vivências e se em tal caso não seriam elas quase uma indicação.
Quando faço palestras para médicos, como houve recentemente no Hospital Psiquiátrico, em Goiás, e me perguntam sobre o combate às drogas logo me recordo de Aldous Huxley, em seu livro de 1954, The Doors of Perception, e daquelas descrições de quando utilizou mescalina. Mais de uma vez fica grotesco uma sociedade, distante abismos e estrelas da coerência, da humanidade, da verdade e dos princípios que persegue com leis e recompensas; mais de uma vez é estranho que esta droga pareça desmerecer outras como ela. Seria bastante mais sensato, considerando a ordem geral das coisas, que hospitais e escolas atendessem e servissem drogas conforme cada caso e suas especificidades.
Ao comprar sabonete,cafeína, maquilagem a pessoa teria acesso a recomendações, advertências, explicações existenciais.
A sociedade sobreviveria sem necessitar de policiais estourando bancas de drogas ilícitas, sem muitos dos que vivem desta indústria de seqüestros e metralhadoras, sem muitas destas pessoas que procuram apagar incêndios fazendo fogueiras.
Provavelmente teríamos excessos e episódios a lamentar, mas isso seria melhor do que o que estamos presenciando no momento.
O modo como a droga vem sendo combatida é tão nocivo quanto o que se afirma dela. Causa estragos que tentamos evitar. Gera desconfiança, corrompe indiretamente as éticas, fecha portas que ao menos destravadas poderiam estar. E os resultados são evidentes.
William Burroughs é um exemplo destas contradições reunidas e vivenciadas nas diferentes opiniões. Primeiro em Junkie: Confessions of na Unredeemed Drug Addict, de 1953; depois do atendimento clínico, seis anos mais tarde surge Naked Lunch. Uma obra é a negação da outra.
Acredito que se contextualizarmos as drogas, da sociedade à subjetividade de quem as usa, certos padecimentos existenciais não precisam necessariamente ser tão dilemáticos e sofridos quanto tenho constatado em minha clínica.



Artigos de Lúcio Packter

título - Quem precisa de terapia?

artigo publicado na edição 04 da revista Filosofia, da Editora Escala.
  

Exames, como o da Escola Paulista de Medicina, que procuram evidenciar o tipo de patologia mental que acomete o indivíduo, ou quem o avalia, mostram muito a ideologia que tantas vezes - de outra maneira - não se constata.
O que faz alguém precisar de terapia? (Pergunta capciosa que traz em si mesma uma petição de princípio).
Por exemplo: sentir inveja de um conhecido só porque ele tem algo que você gostaria de possuir para, ao ter, confessar que não era nada daquilo, é um indício?
Ou pensar que se é menos do que os outros, mesmo tendo a convicção de que no fundo se é mais, por qualquer motivo, como saber empilhar o lixo divinamente? Claro que, se houver exagero, como querer fotografar o lixo ou querer guardá-lo em local seguro, isso atrairá a desconfiança de algum terapeuta, o que já acarreta risco de patologia iminente.
Contar mentiras e ficar deprimido quando elas são deturpadas é provavelmente patológico. Cabe apenas saber patologia de quem.
Precisa de terapia quem acha que é infeliz enquanto todos são felizes, e ainda alega para isso coisas que todos alegam para si mesmos? Porque pode ser apenas falta de imaginação que, às vezes, passa.
Seria um indício suficiente a suposição de que a vida é quase essa coisa sem graça que se está vivendo? Ou tudo não passará de uma carência etílica qualquer?
Talvez necessite de terapia quem duvida das coisas antes que elas aconteçam, embora possa ser este sintoma confundido com contemporaneidade, o que, em verdade, é a mesma coisa; agora, depois que aconteceram, achar que nem foram tão maravilhosas assim, pode ser doença mental ou conseqüência do mau cinema norte-americano e daqueles superlativos todos.
Por certo há questões de pouca discussão. Assim, assistir coisas como Big Brother e gostar é algo definitivamente psiquiátrico. No melhor dos casos, a pessoa deve ser internada por atentado ao bom-gosto.
Divórcios levam muita gente à terapia.
Mas querer o divórcio de vez em quando, porque a mulher desrespeitou o tempero da massa que a nossa iídiche mame ensinou a ela, geralmente é sinal de elevação de caráter. Também revela espírito crítico. Qualquer juiz judeu aceitará o fato como prova.
Contudo, isso pode acarretar uma patologia, se se acreditar que advogados só existem no divórcio dos outros. Caso de alucinação braba. Costuma levar a psicoses nas quais o sujeito acorda sem a metade do patrimônio.
Trabalho, e mais amiúde a falta dele, são predisponentes ao consultório.
Estar cansado do trabalho que faz e imaginar que os outros estão satisfeitos resulta do stress, mas não tem cura, somente pode ser administrado. E pode piorar, se a pessoa começar a acreditar que os outros estão satisfeitos com o casamento e com a vida que levam.

Financeiramente, há fatores mentalmente favoráveis a uma terapia, como comprar a prazo e viver as dívidas à vista, algo filosoficamente incorreto. Pois é uma das tradições não escritas em Filosofia somente viver a prazo.
... mas olha, para que os indícios acima funcionem com a devida má-fé, ainda faz-se necessário negligenciar os escritos de Foucault sobre a indústria da loucura, como também conjeturar que Machado de Assis não estava brincando em O Alienista. Assim poderemos anular a tendência de que precisa de terapia quem acha que os outros precisam.
Todos nós temos nossas esquisitices, nossas crises, e pouquíssimos ficam comprometidos clinicamente por isso. Assim como existe a indústria do ensino, da moda, da farmácia, existe a indústria da loucura, próspera da farmacologia aos consultórios.
Às vezes, o critério para se saber se o indivíduo precisa de terapia é saber se o terapeuta necessita que ele necessite.
Em muitíssimos casos, um bom vinho com os amigos, um papo longo próximo a uma lareira, os carinhos demorados da mulher amada, um programa de jazz em uma rádio chilena, um choro profundo, coisas assim, vão mais longe, mais fundo e são a própria terapia que poucos consultórios têm.
Talvez a terapia (!?) seja necessária de fato a muito poucos.

Artigos de Lúcio Packter

título - Algumas considerações sobre as terapias

artigo publicado no Jornal da Manhã

A revista SUPERINTERESSANTE, edição 254, trouxe como matéria de capa: Terapia Funciona? Dei um longo depoimento, depois troquei alguns e-mails com a jornalista responsável pela matéria, onde aparece uma citação minha e algumas linhas esperançosas sobre o meu trabalho.

Segundo a jornalista Denize Guedes, que assina a matéria, as neuroimagens  de pesquisas, como a realizada na Universidade de Leeds, Inglaterra, apontam para um parecer: talvez “a psicoterapia não funcione pelo motivo que os terapeutas apontam”. O que faria com que a psicoterapia funcionasse na opinião de muitos especialistas é o efeito placebo, a convicção da pessoa de estar sendo auxiliada, da sugestão, da vontade da pessoa em sair do conflito.

Existe algum endereçamento na Filosofia Clínica sobre isso?

Primeiro, algumas vezes a psicoterapia funciona pelos motivos nomeados pelos terapeutas. Exemplo: às vezes impulsos reprimidos, o trabalho direto com os conflitos, a identificação de crenças entortadas fazem com que a pessoa lide de outra maneira com o que a atormentava.

Sengundo, às vezes de fato o efeito placebo viceja. Neste caso, é freqüente que o carisma do terapeuta e determinados vetores de sugestão possam tornar diferentes as questões subjetivas da pessoa.

Terceiro, não é raro que a vontade da pessoa impere de tal modo que a técnica utilizada e o carisma do terapeuta lhe são indiferentes. Ela busca mudar, consegue mudar elementos problemáticos, mesmo que a terapia seja ainda mais um empecilho em sua luta.
Quarto, provavelmente se considerarmos uma pessoa que procure Psicodrama, Análise Transacional, Gestalt, Terapia Cognitiva, Filosofia Clínica tendo como foco a depressão não é desarrazoado supormos que semelhanças surgirão. Assim como há muitos modos de se chegar à Amazonia, há muitas maneiras de se debelar algo que se considere nocivo feito uma depressão, desde a medicação até a tiros. Se a questão se restringir unicamente a debelar algo tido como um mal, a depressão, podemos então aventar caminhos mais eficazes do que a terapia. Neste caso, a terapia se tornaria dos mais longos, onerosos, difíceis e discutíveis caminhos. Por que a utilizaríamos?
Quinto, outros cuidados se impõem. Uma indagação: não seria freqüente que uma terapia se torne pior do que a “doença” que se propôs a combater? Pode combater uma depressão que legitimamente foi um dos meios possíveis e, pela maneira como a pessoa está estruturada, um meio recomendável, para lidar com um nó existencial que exasperava a existência da pessoa. Ao combater a depressão, um fenômeno que amparava e respondia a demandas últimas da pessoa, a terapia tornou-se o mal. Assim sendo, a pessoa deveria ser medicada com a terapia, deveria cuidadosamente afastar a terapia de sua vida.
Sexto, a propriedade e a natureza das pesquisas. Como os estudiosos em Filosofia sabem, a Epistemologia mostra determinados vícios do conhecimento. Uma pesquisa que aponte para onde a matéria da revista citada olha, tal pesquisa pode facilmente levar a interpretações nas quais tudo parece próximo de ser igual: as terapias seriam todas iguais quanto aos resultados. Falso, claro. Como eu poderia dizer, por exemplo, que uma disciplina como a Filosofia Clínica, que não busca a cura (porque inexiste nela os critérios de patologia X normalidade), que não se ocupa do bem-estar, equilíbrio, hedonismos existenciais, que não usa tipologias, procedimentos clínicos a priori chegaria a resultados semelhantes a uma disciplina que tem como objetivo a cura, o bem-estar, a adequação do homem à sociedade? Talvez pudesse dizer quando existisse coincidências nos resultados. Talvez.
Sétimo, quando uma necessidade de ajuda não se faz acompanhar de ajuda psicoterápica. Muitas vezes o tempo e as contingências existenciais colocam em outras bases os dilemas; outras vezes, os próprios dilemas se tornam parte da construção e são essenciais para o que se segue, semelhante a dor e as contrações de um parto.

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